30 de novembro de 2012

Uma boa ironia


Lembro-me de ter gostado, no máximo, de dois garotos na minha vida. É claro que eu sou jovem em amplos sentidos; aparência, experiência, mentalidade e ambições. É só meu espírito que está velho. Envelhecendo cem anos a cada dia que se passa. Mas, como dizia, lembro-me de ter gostado de dois garotos na minha vida. Posso até ter ficado afim de diversos outros, nada que ultrapasse uma leve atração. Foram esses dois que me marcaram de formas opostas.
Exatamente, opostas.
O primeiro, qual eu vou me referir pela inicial M., era um ser intelectual. Três anos mais velho que eu, tinha um cabelo que me lembrava Bob Dylan e um papo morno e solitário, mas sempre muito complexo e rico em detalhes. Ele me desprezava. Profundamente. Dizia que eu lhe despertava sentimentos de ódio, e por isso era sempre um prazer conversar comigo. Uma vez, o ouvi admitir que até que não me desprezava tanto assim, e que eu era uma menina legal. Uma menina legal. Lembro-me com precisão de seus olhos baixos e sua voz murmurada, ao fazer a confissão. Como alguém que confessasse a contragosto.
Eu o incomodava todos os dias. Com perguntas aleatórias, frases sem nexo e qualquer outro assunto que fizesse com que ele falasse comigo. Havia algo nele, algo naquele jeito calma e maroto, nas palavras rebuscadas, nos gostos que visavam Woody Allen, Bob Dylan e Tom Jobim, algo naquele misto que sempre procurava me ofender e me ver recuar, algo nele, que me atraia profundamente. E eu me apaixonei perdidamente - ou tão perdidamente quanto uma garota de treze anos poderia se apaixonar por uma rapaz de dezesseis.
Então, ele foi embora. Sem adeus, abraços e adornos. Ele simplesmente partiu. Eu nunca mais o vi. Para ser específica, foi esse carinha que me fez escrever nesse blog, e, para ser exata, todas as minhas postagens do começo do ano anterior foram dedicadas a ele. Dava para ver como eu era completamente imatura em relacionamentos. Eu sofri bastante, depois que ele partiu. A ponto de me remoer e - convenhamos -, chorar na janela como uma cena de um filme ruim. Depois, a dor passou. Foi quando eu conheci o segundo cara.
Ele se chamava H. E surgiu de repente. Sei que o conheci de uma forma improvável, e sei que a nossa amizade foi alvo de desconfiança. Ao contrário do M., não foi uma paixão tiro-e-queda, não foi um rapaz culto, arrogante e certo de si mesmo que fez com que eu me derretesse com apenas um olhar. Foi completamente o contrário.
Para começar, H. me idolatrava. Esse é um bom ponto de partida. Acredito que nunca conheci ninguém tão simpático e desesperado (acredite, não estou usando essa palavra de forma pejorativa) em manter uma amizade. Demorou, mas eu logo me encantei por ele. Foi na primeira madrugada que madrugamos (pleonasmo me lembra dele) juntos, e quando eu disse "Bem, já estou indo." ele respondeu algo como "Já? Fique mais, moça." Eu fiquei.
Essa noite foi seguida por diversas outras, que foram incrementadas apenas com assuntos sem nexo via Skype, sorrisos, composições e todo tipo de conversa que se possa imaginar. Naquele ponto, eu já havia cedido. Estava perdidamente apaixonada por ele - ou pela ideia de tê-lo. Essa amizade chegou em um ponto extremo, onde ele era a única coisa que me motivava a acordar todos os dias. Porque eu sabia que, depois da escola, passaríamos boas horas conversando. Especificamente, até as três. Da manhã.
E, um dia, acabou. Não foi como o M., que, de repente, desapareceu da minha vida. Foi devagar, com um problema técnico aqui, dificuldades ali, e, uma hora, por estarmos cansados. De esperar? Quem sabe. Uma hora, cansou. Mas se seguiu por meses antes que acabasse oficialmente. Ele se apaixonou por outra pessoa, o que é completamente compreensível. Eu mesma não me escolheria.
Vivi meses estranhos, desde então. Julguei ter gostado de pessoas que eu não suportava, só para preencher o vazio que ele me deixou. Procurei em todos os lugares que fui capaz, e até me submeti à algumas situações que levarei para o túmulo. Foi quando desisti de procurar, em uma noite gélida de segunda-feira, que uma resposta irônica me chamou a atenção. Lembro-me de ter sorrido, com a certeza que aquela daria outra boa história. Uma história com direito a nutella. Muita nutella.

13 de novembro de 2012

Por trás de portas


   "A maior faculdade que nossa mente possui é, talvez, a capacidade de lidar com a dor. O pensamento clássico nos ensina sobre as quatro portas da mente, e cada um cruza de acordo com sua necessidade.
   Primeiro, existe a porta do sono. O sono nos oferece uma retirada do mundo e de todo o sofrimento que há nele. Marca a passagem do tempo, dando-nos distanciamento das coisas que nos magoaram. Quando uma pessoa é ferida, não é surpreendente que fique inconsciente. Do mesmo modo, quem ouve uma notícia dramática comumente tem uma vertigem ou desfalece. É a maneira de a mente se proteger da dor - cruzando a primeira porta.
   Segundo, existe a porta do esquecimento. Algumas feridas são profundas demais para cicatrizar, ou profundas demais para cicatrizar depressa. Além disso, muitas lembranças são simplesmente dolorosas e não há cura alguma a realizar. O provérbio "O tempo cura todas as feridas" é falso. O tempo cura a maioria das feridas. As demais ficam escondidas atrás dessa porta.
   Terceiro, existe a porta da loucura. Há momentos em que a mente recebe golpe tão violento que se esconde atrás da insanidade. Ainda que isso não pareça benéfico, é. Há ocasiões em que a realidade não é nada além do penar, e, para fugir desse penar, a mente precisa deixá-la para trás.
   Por último, existe a porta da morte. O último recurso. Nada pode ferir-nos depois de morrermos, ou assim nos disseram."
O Nome do Vento, Patrick Rothfuss, pág. 124

1 de novembro de 2012

Intensidade deliberada



Ilude-se com o menor dos olhares, e encanta-se com a menor forma de atenção que lhe seja demonstrada. Contenta-se com a menor das ofertas, jogando-se (a altura, de fato não importa) como se não houvesse consequência. Prezou uma vida intensa, e teve aquilo que ansiou. Uma vida intensa; de dor. Pagou pelos os pecados com o próprio sangue, jurando que jamais se enganaria novamente. Errou. Errou milhares de vezes, perdendo-se debilmente no narcisismo apresentado, na estupidez alheia, no ato simplório de uma despedida. Não sentia mais prazer no atrito das peles, nos acordes de um violão, nas delicadas cores de uma tela. O prazer estava presente, aqui e acolá, quando acompanhando de uma sala escura, de uma mente sonolenta, de uma solidão demasiada e de um silêncio constante. Sentia prazer quando não estava ciente. Quando a única e completa liberdade lhe era atingida. E, de prazer, morreu.